Quantidade é qualidade no Rio Grande do Sul
Para o gaúcho, comer bem é unir sabor e saciedade
Nos últimos anos viajar também passou a ser, para mim, um ato de interesse gastronômico. E é bom lembrar que a cultura de um local e de um povo também passa pela boca – e vai além dos clichês que se propagam por aí. Comida baiana não é só azeite de dendê (aliás, a quantidade de gente que fica boquiaberta quando digo isto é impressionante), mineiro não vive só de pão de queijo e por aí vai.
Nas minhas últimas férias fui ao Rio Grande do Sul e pude comprovar que a cultura gastronômica do gaúcho não passa só por churrasco e chimarrão: não importa o que se põe à mesa, a quantidade é essencial. Para o gaúcho, comer bem é unir sabor e saciedade.
Meu roteiro incluiu cinco cidades gaúchas e um cardápio variado de massas, fondues, comida vegetariana, lanches e sopas. E percebi que a quantidade importa já na minha primeira refeição. Almocei no Atelier de Massas, no centro de Porto Alegre, um restaurante famoso por seu cardápio de pastas artesanais. Quando os pratos chegaram à mesa a massa e o molho estavam quase transbordando… Com tudo delicioso e numa porção daquelas, não tinha como não sair rolando de lá.
Achei que essa era uma característica apenas da casa até que conheci um ícone da gastronomia gaúcha: o Xis, sanduíche prensado na chapa que surgiu sendo feito apenas com carne e queijo, uma variação regional do cheeseburguer que cresceu e hoje leva uma infinidade de recheios. Carne, peixe, camarão, parmegiana, estrogonofe (!), lombo com frutas, vegetais… o que você imaginar eles prensam num sanduba parrudo e de-li-ci-o-so. E que, claro, é grande. Eu fui de xis-coração, feito com coração de frango.
Você vai ver na foto abaixo o tamanho do sanduba, quase 20cm de diâmetro e recheio (coração, ervilha, milho, cebola, tomate, alface, maionese e otras cositas más) saindo pelo ladrão.
Acha pouco? Vá de xis-calota! Em Porto Alegre, o Gelson Lanches te desafia: se você comer um inteiro (lembre-se que tem o tamanho de uma calota, em torno de 30 cm de diâmetro), não paga.
Ah, e fica a dica: os verdadeiros xis você não come em restaurante, não: tem que ir a carrinhos, furgões e barraquinhas de rua – o meu foi do Primus Burger, que estaciona em Cachoeirinha, na grande Porto Alegre.
Na Serra Gaúcha não foi diferente. Em época de frio o clássico fondue não faltou na viagem e o que vimos ao andar por diferentes restaurantes de Gramado é que a reposição ilimitada das porções de foundues é regra, não exceção.
É o contrário de Campos do Jordão, cidade mais famosa para turismo de inverno em São Paulo, em que há menos estabelecimentos que oferecem – e a um valor mais alto – a sequência de fondues de queijo, carne e chocolate sem limites para consumo.
E se você pensa que a quantidade só manda nas grandes refeições, nada disso: tomei café da manhã em uma lancheria simples de Gramado, fora do eixo gastronômico da cidade. Quando pedi um café, a bebida veio numa caneca de 300 ml. E cheia! O mesmo aconteceu na Le Jardin Parque de Lavandas, em que o chá de maçã veio generoso.
A explicação para a fartura ser rainha na gastronomia gaúcha está na sua história. Além da influência dos descendentes de portugueses e espanhóis, os imigrantes italianos e alemães chegaram por lá no século XIX buscando conforto após fugir de uma Europa com pouca produção de alimentos e prejudicada por guerras. Encontraram um povo já habituado à boa oferta de carnes de bovinos e ovinos, pela grande disponibilidade de pastos. Esta influência histórica e cultural deixou herança em uma gastronomia acolhedora e que preza quantidade como sinônimo de qualidade. E o gaúcho leva isto consigo para onde vai. A gaúcha Marcela Caetano, que mora em São Paulo há seis anos, atesta: “nos meus primeiros anos aqui eu saía dos restaurantes com a sensação de que não estava comendo direito, por causa das porções menores que no Rio Grande do Sul (risos)”.